NEGÓCIOS DE IMPACTO SOCIAL: A VEZ DAS COMUNIDADES

Ele quis levar alimentação de qualidade para as comunidades; acabou criando dois projetos que impulsionam dezenas de negócios nas periferias do Nordeste

Um obstáculo diário na vida de quem mora em comunidades, na periferia dos grandes centros, foi o ponto de partida para Hamilton Silva – um carioca de 33 anos com raízes pernambucanas – aprimorar ideias de negócios com impacto social que já vinham sendo testadas há quase uma década.

Hamilton criou com a mulher, Isabela Ribeiro, dois empreendimentos no bairro Casa Amarela – um complexo de favelas onde moram mais de 30 mil pessoas, na zona norte de Recife: o Silva Delivery e o Nossa! Cozinhas.

O obstáculo: nas comunidades, receber comida na porta de casa, via aplicativo, é praticamente impossível. É preciso sair de casa e ir até a esquina ou a um ponto de referência próximo. Essa dificuldade só conhece quem vive a realidade das periferias no Brasil.

E Hamilton Silva, que cresceu em favelas de Nilópolis e São Gonçalo (RJ), sabe disso. Atualmente vivendo em Recife (PE), ele formou um "exército" de entregadores locais, e criou espaços para dezenas de cozinheiras terem seus próprios negócios diretamente nas comunidades.

Por gerar renda e ter chance de escalabilidade − ou seja, de se multiplicar −, o Silva Delivery está recebendo apoio de um fundo que investe em empreendedores das periferias para se consolidar.

E o Nossa! Cozinhas – interligado ao delivery - tornou-se um espaço compartilhado (coworking) de cozinheiras autônomas que moram na localidade.

Como o público das cozinheiras do projeto está dentro das favelas e os grandes aplicativos não entregam em todo lugar, os pequenos empreendimentos perdem vendas. O Silva Delivery veio derrubar essa barreira.

Impacto social que gera lucro, pertencimento e protagonismo

O Nossa! Cozinhas nasceu da união de forças. Cada cozinheira ou cozinheiro é um restaurante. Tem a Alexandrina Massas, a Dona Rô, a Beca Lanches… Quem se inscreve para alugar um espaço no coworking passa por uma breve orientação sobre empreendedorismo e por uma avaliação de viabilidade.

Os coworkers inscritos recebem treinamentos. A ideia é que sejam protagonistas e se habilitem a gerir os próprios negócios. Também contam com o apoio de profissionais de nutrição para melhorias nos cardápios e nos processos e, como diz Hamilton, ressignificar o que é comida boa. “Acreditamos no equilíbrio, em provar de tudo e usar o que é de qualidade”, acrescenta.

No delivery, a proposta é também gerar oportunidades de trabalho temporário, de passagem, para os cadastrados. “Não trabalhamos com bloqueios de entregador, como fazem as grandes plataformas, e eles não precisam ter moto”, explica Hamilton.

Esse modelo, segundo ele, traz um necessário senso de pertencimento que os grandes aplicativos ignoram. “A gente quer que esse trabalho seja apenas um caminho para o começo ou o recomeço para outras oportunidades na vida deles”, reforça.

Raio X do Nossa! Cozinhas

Cinco cozinhas em coworking nas comunidades de Recife
62 estações de trabalho (restaurantes)
100% dos negócios formalizados (MEI)
Uma nutricionista e quatro técnicas na área
R$ 150,00 o aluguel da estação + comissão sobre as vendas
100% das vendas realizadas por WhatsApp
Variedade de negócios: feijoada completa, vegana, massas, sanduíches, saladas etc
Compras em quantidade com redução de custo dos insumos
Planos de expansão: regiões Norte e Nordeste
Previsão em 2022: abrir três cozinhas em Fortaleza

Desafio: aprender com erros e acertos

O Nossa! Cozinhas e o Silva Delivery são a reestruturação de um projeto que Hamilton lançou no Rio de Janeiro, em 2015.

Conhecido como Saladorama, o empreendimento nasceu da vontade de oferecer refeições saudáveis – especialmente saladas orgânicas − nas periferias, uma vez que alimentação equilibrada e diversificada não era habitual nas comunidades.

Hamilton percebeu a diferença de hábitos quando passou a trabalhar e se alimentar na empresa. Era muito diferente de onde ele cresceu. Mas o projeto – mesmo vendendo 2 mil saladas por mês − não evoluiu como o esperado.

Por isso, no lugar de contratar cozinheiras e colocar os restaurantes parceiros sob o nome Saladorama, como antes, ele criou o modelo do Nossa! Cozinhas.

No modelo, cada um é protagonista do próprio negócio, utiliza suas próprias marcas e paga um valor pelo espaço e pelas vantagens oferecidas no coworking. “Hoje, eles me pagam para não se preocuparem com outra coisa além de cozinhar”, explica.

Para Hamilton, outro erro inicial foi compartilhar o processo evolutivo do projeto, quando ainda mantinha as cozinhas nas comunidades em fase de testes. Naquele momento, tanto acertos quanto erros ficaram expostos e várias expectativas foram frustradas, gerando críticas de participantes.